A crítica ao romantismo em Madame Bovary
O ideal romântico tem um papel importante na projeção de novas perspectivas de vida. Este tipo de operação mental é o que permite a tantas teorias, sejam elas espirituais ou políticas, convergir milhões de almas em torno de um ideal que ainda não é, mas que um dia possa vir a ser. Muitas dessas ideias, ou sem parecer pessimista, a sua grande maioria, são delírios e imoralidades, fomentadas pelo descontentamento com a vida e a miopia da realidade.
Madame Bovary, considerado por alguns “O romance dos romances.”, de Gustave Flaubert, dá-nos aulas magistrais sobre este tema. Emma, é Madame Bovary, linda, requintada e com a mente repleta de desejos românticos. Charles, o seu marido, um médico provinciano desambicioso e insosso. O contraste entre os dois já prenunciava um matrimônio complicado. O tédio do casamento e a insatisfação constante de Emma levam-na primeiro à decepção, depois, à tristeza profunda, e finalmente, à busca incessante de “algum acontecimento” que realizasse os seus desejos reprimidos. O primeiro acontecimento foi Léon, o segundo Rodolphe.
Por meio deles, Madame Bovary concretiza as suas fantasias, e como todo bom romântico, entendia-se delas em busca de novos prazeres que pudessem contentar a sua alma medíocre. Entre os incontáveis encontros despudorados, destaco a “cena da carruagem”, na qual Emma e Rodolphe “passeiam” durante seis horas pelas ruas de Rouen, descrita por Flaubert de forma metafórica através da condução apreensiva do cocheiro, o trote acelerado dos pangarés e as ordens de comando de Leon de dentro da hirondelle, marcando a genialidade parnasiana de Flaubert.
Voltou; e então, sem ideia preconcebida nem direção, ao acaso, ficou vagando. Foi visto em Saint-Pol, em Lescure, no monte Gargan, na Rouge-Mare, e praça do Gaillard-bois; rua Maladrerie, rua Dinanderie, diante de Saint-Roman, Saint-Vivien, Saint-Maclou, Saint-Nicaise – diante da Aduana –, na baixa Vieille-Tour, nas Trois-Pipes e no Cemitério Monumental. De tempos em tempos, o cocheiro na boleia lançava aos cabarés olhares desesperados. Não entendia que furor de locomoção impelia aqueles indivíduos a não querer parar. Ele tentava por vezes, e logo ouvia atrás de si exclamações de cólera. Então chicoteava mais fortemente os dois pangarés já suados, mas sem dar atenção aos solavancos, enroscando aqui e acolá, não se preocupando, desmoralizado e quase chorando de sede, de fadiga e de tristeza.
Emma é insaciável e imoral, retratando não somente o perfil burguês da época, mas um traço da natureza humana. O enredo trágico faz-nos pensar sobre os perigos das ideias românticas estimuladas progressivamente pela distorção da realidade e a ambição incontrolável, seja ela carnal ou material. O desfecho da obra, assim como na vida, foi a falência da vida e da virtude em benefício do gozo irracional e egoísta do indivíduo.
sources:
Gustave Flaubert, Madame Bovary.